Por
José Gerin
04/11/2025
Com o avanço da digitalização dos serviços jurídicos e a ampla utilização de meios eletrônicos para comunicação entre advogados e clientes, surgiu um novo tipo de crime que preocupa tanto a sociedade quanto as instituições jurídicas: o golpe do falso advogado. Trata-se de uma fraude praticada por pessoas que se passam por profissionais da advocacia, utilizando indevidamente nomes, números de inscrição da OAB e logotipos de escritórios reais para enganar cidadãos em situação de vulnerabilidade.
Como funciona o golpe e suas variações
O golpe do falso advogado costuma ocorrer por meio de mensagens eletrônicas, ligações telefônicas ou redes sociais. Os criminosos se apresentam como advogados, muitas vezes citando processos reais obtidos em bancos de dados públicos, e exigem o pagamento de supostas custas processuais ou honorários para liberação de valores. Em alguns casos, chegam a enviar documentos falsos, reproduzindo petições, despachos e timbres oficiais.
O cidadão, acreditando tratar-se de um profissional legítimo, efetua pagamentos ou fornece dados pessoais sensíveis, sendo posteriormente lesado. Esse tipo de fraude viola diretamente o artigo 171 do Código Penal, que trata do crime de estelionato, e também afronta os princípios éticos da advocacia, previstos na Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB).
Responsabilidade profissional e medidas preventivas
A responsabilidade penal dos golpistas é inequívoca, sendo possível a tipificação por estelionato (art. 171 do Código Penal) e falsidade ideológica (art. 299). Já os advogados verdadeiros têm buscado adotar medidas preventivas para proteger seus clientes e sua reputação. Entre as principais iniciativas, destacam-se o uso de canais oficiais de comunicação, a criação de websites com verificação de autenticidade, e o cadastro atualizado junto à OAB.
Ferramentas como o ConfirmADV, iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil, permitem que qualquer cidadão confirme a identidade de um profissional, informando o número de inscrição e o e-mail cadastrado. Essas medidas fortalecem a confiança entre cliente e advogado e contribuem para a segurança digital no exercício da profissão.
Atuação dos Tribunais e do Sistema de Justiça
Os Tribunais de Justiça e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) têm adotado políticas voltadas à segurança dos usuários nos sistemas eletrônicos. O CNJ, por meio de resoluções como a nº 185/2013 e a nº 363/2021, reforçou a necessidade de autenticação segura, incluindo o uso de duplo fator de verificação e certificados digitais. O objetivo é garantir que o acesso aos sistemas judiciais eletrônicos, como o eproc, o PJe e o e-SAJ, seja restrito a usuários devidamente identificados.
Além disso, os tribunais vêm promovendo campanhas educativas e emitindo alertas à população sobre golpes envolvendo falsos advogados e falsos servidores. Essas ações buscam reduzir a vulnerabilidade digital dos cidadãos e preservar a credibilidade do sistema de justiça.
Em complemento às medidas direcionadas à responsabilização ética e penal, houve também uma intervenção tecnológica relevante no âmbito do Poder Judiciário, com o objetivo de reduzir fraudes no acesso ao sistema eletrônico, a CNJ determinou que, desde 3 de novembro de 2025, todos os usuários externos (advogados, partes interessadas, procuradores) do PJe — bem como dos demais ambientes digitais como o Portal jus.br — passem a utilizar autenticação em múltiplos fatores para realizar o login.
A iniciativa prevê, além da tradicional combinação de usuário + senha, o uso de um código adicional gerado por aplicativo autenticador ou via integração com a conta gov.br nível ouro, reforçando a proteção das credenciais de acesso e elevando a barreira contra invasões indevidas e tentativas de sequestro de conta. Tal exigência representa importante avanço preventivo no combate ao golpe do falso advogado, pois ataca a raiz do problema: o acesso não autorizado ao sistema processual eletrônico.
Riscos advindos da Inteligência Artificial
Com o avanço de ferramentas de inteligência artificial, surgiram técnicas capazes de gerar áudio, vídeo e textos falsos com alto grau de realismo (os chamados deepfakes), bem como de clonar vozes a partir de poucos segundos de gravação. Essas tecnologias ampliam o repertório de atuação dos agentes maliciosos em golpes do tipo “falso advogado”: além de usarem nome, OAB e documentos falsos, passam a produzir provas falsificadas para induzir pagamento, obter documentos ou justificar atos processuais.
Formas práticas da ameaça
Deepfake de vídeo: criação de clipes nos quais a imagem e os lábios da pessoa são sincronizados a um discurso fabricado, simulando confirmação de negociações, autorizações ou declarações que nunca ocorreram.
Clonagem de voz: síntese da voz de alguém para uso em ligações que exigem autorização verbal (por exemplo, “autorizo transferência/senha/recursos”), ou para conferir credibilidade a comunicações fraudulentas.
Documentos e mensagens sintéticas: geração automática de petições, e-mails ou alertas com linguagem jurídica correta, assinaturas digitais falsificadas ou timbres idênticos aos de escritórios reais.
Automação massiva de engenharia social: uso de modelos para personalizar mensagens em grande escala, tornando-as mais persuasivas e difíceis de detectar.
Conclusão
O golpe do falso advogado representa uma ameaça à confiança no exercício da advocacia e à segurança das relações jurídicas. A resposta eficaz exige uma atuação conjunta: do cidadão, que deve verificar a identidade de quem o representa; dos advogados, que precisam adotar práticas transparentes e seguras; e do Poder Judiciário, que deve manter e aperfeiçoar mecanismos de autenticação e fiscalização.
Na Finch reforçamos a preocupação com a segurança e a proteção de dados no ecossistema jurídico, promovendo o uso responsável da tecnologia e o fortalecimento das boas práticas de verificação e autenticação. Somente com conscientização, inovação tecnológica e ética profissional será possível conter esse tipo de fraude e preservar a integridade da advocacia e da justiça brasileira.
Sobre o autor
José Guilherme Gerin, Gerente de Operações da Finch, advogado, Mestre em Direito na área de Sistema Constitucional de Garantia de Direitos no Centro Universitário de Bauru – ITE, pós-graduado em Direito Processual Civil, Direito Civil e Direito do Trabalho e Presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação da OAB - Bauru/SP.


