Por
José Gerin
16/07/2025
A Resolução nº 963/2025 marca um novo capítulo na digitalização da Justiça paulista. Com ela, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) inicia a implantação do sistema eproc, plataforma nacional desenvolvida pelo TRF4, consolidando uma operação mais integrada, eficiente e transparente no maior tribunal do país.
Confira os principais pontos da norma, seus impactos práticos e o que advogados, servidores e demais usuários precisam saber para se adaptar.
Princípios estruturantes do novo sistema
O artigo 2º da resolução apresenta os cinco pilares que norteiam a utilização e evolução do eproc no TJSP:
Aderência à versão nacional, garantindo uniformidade com outros tribunais.
Desenvolvimento colaborativo, promovendo soluções em conjunto.
Automação e simplificação, com rotinas otimizadas.
Pragmatismo e efetividade, focando em soluções de impacto real.
Instrumentalidade e autonomia, com rastreabilidade, produtividade e eficiência.
Esses princípios refletem o alinhamento do TJSP ao programa Justiça 4.0 e à visão de uma Justiça mais ágil e interoperável.
Estrutura de governança e participação
Os artigos 3º a 8º descrevem o modelo de governança do sistema, dividido em três núcleos principais:
Comitê Gestor (CGe): responsável por representar as demandas locais junto à versão nacional do eproc (art. 5º).
Núcleo de Gestão Negocial (NGN): foca na adaptação dos fluxos e necessidades operacionais (art. 6º).
Núcleo de Gestão Técnica (NGT): lida com infraestrutura e suporte tecnológico (art. 7º).
Além disso, o Comitê Interinstitucional foi criado para receber sugestões e demandas de usuários externos, promovendo um canal de escuta ativa e filtragem de propostas (art. 8º).
Implantação gradual e regras de transição
A adoção do eproc será feita de forma escalonada. Conforme o artigo 9º, a primeira etapa começou em 31/03/2025, contemplando:
Juizados Especiais Cíveis
Turmas cíveis do Colégio Recursal
CEJUSCs (em apoio aos JECs)
A partir da implantação em cada unidade, todos os novos processos devem ser distribuídos exclusivamente no eproc. Petições intermediárias seguirão o mesmo caminho.
Até que ocorra migração oficial, os processos existentes permanecerão no sistema SAJ, inclusive os cumprimentos de sentença (art. 11). Os artigos 12 e 13 determinam que o cronograma de migração será definido posteriormente pelos responsáveis técnicos.
Responsabilidades do usuário e credenciamento
O artigo 14 reforça que o peticionante é o responsável por selecionar corretamente o sistema adequado para cada processo. Para apoiar essa tarefa, o TJSP disponibilizou uma ferramenta de verificação no site oficial: www.tjsp.jus.br/PeticionamentoEletronico
O artigo 15 define os perfis de usuários internos e externos, enquanto os artigos 16 e 17 orientam o processo de credenciamento e habilitação. Já o artigo 18 detalha os deveres dos usuários, como:
Preservar o sigilo das credenciais;
Garantir conexão estável e segura;
Não manipular dados nem utilizar robôs de forma abusiva;
Garantir a integridade do sistema;
Comunicar falhas técnicas sempre que identificadas.
Acesso, prazos e indisponibilidades
Os artigos 19 a 21 disciplinam o acesso ao sistema, exigindo o uso de:
Certificado digital válido;
Acesso via rede oficial do TJSP;
Assinatura digital de documentos.
O conceito de indisponibilidade é definido como interrupções causadas por falhas técnicas ou manutenções, desde que certificadas pelo administrador do sistema. A emissão de certidão de indisponibilidade é autorizada nos seguintes casos:
Quando houver mais de 60 minutos de interrupção, contínuos ou não, entre 12h e 23h.
Qualquer falha entre 23h01 e 00h00.
Importante: falhas entre 00h01 e 11h59 não prorrogam prazos, assim como indisponibilidades durante fins de semana e feriados (§1º do art. 21).
Em caso de indisponibilidade absoluta do eproc, o protocolo físico poderá ser realizado para evitar perecimento de direito ou violação à liberdade (art. 41), com posterior digitalização obrigatória.
Interoperabilidade com instituições públicas
A Resolução prevê a integração com órgãos e instituições por meio do Modelo Nacional de Interoperabilidade (MNI) ou outros padrões aceitos (art. 22). O art. 23 proíbe que unidades judiciais exijam digitação manual em portais externos, salvo quando tecnicamente inevitável, e impõe revisões anuais desses portais para buscar integração plena e direta.
Essa abordagem favorece a comunicação fluida entre o Judiciário e órgãos públicos, promovendo economia de tempo e redução de retrabalho.
Peticionamento técnico e rastreabilidade
O artigo 24 impõe exigências técnicas ao peticionamento eletrônico, que incluem:
Preenchimento correto dos campos obrigatórios;
Classificação precisa da peça;
Qualificação completa das partes;
Observância ao formato, qualidade e nomeação dos arquivos;
Testagem prévia de mídias;
Revisão final antes do envio.
Conforme o artigo 26, o ato será considerado praticado na data e hora do envio, respeitando o horário de Brasília. O sistema registra automaticamente essas informações, como previsto nos artigos 27 e 28, garantindo rastreabilidade, validade jurídica e transparência.
Consulta, sigilo e tramitação em 2ª instância
A consulta pública aos processos segue os limites da Resolução CNJ nº 121/2010. Os artigos 30 a 32 garantem:
Acesso aos autos por terceiros, mesmo sem procuração (respeitando limites legais);
Uso de certidões narrativas em substituição às de objeto e pé;
Possibilidade de marcar o sigilo no momento do peticionamento, com controle do nível de visibilidade conforme perfil de acesso, sujeito à ratificação judicial.
Nos recursos, a apelação será remetida eletronicamente pelo juiz de origem, e o agravo de instrumento eletrônico será interposto no próprio sistema do 1º grau, com numeração e autos próprios (art. 34). Para processos criminais, o art. 36 antecipa que normas complementares específicas ainda serão publicadas.
Sanções por uso indevido
O artigo 37 define como uso inadequado ações como ataques cibernéticos, sobrecarga provocada por robôs e práticas que comprometam a estabilidade do sistema. A Resolução prevê:
Bloqueio de acesso preventivo e temporário;
Comunicação à OAB ou à Corregedoria;
Restrição e eventual cobrança pelo uso automatizado em larga escala via API, conforme a Recomendação CNJ nº 74/2020 (art. 39).
Disposições finais
A Resolução nº 551/2011 continua vigente para processos no sistema SAJ. A Resolução nº 963/2025 entra em vigor imediatamente (art. 42), revogando as normas em contrário (art. 43).
Conclusão
A Resolução nº 963/2025 representa mais do que uma mudança tecnológica — ela formaliza um novo modelo de tramitação processual, centrado na eficiência, rastreabilidade, responsabilidade e integração. Com a adoção do eproc, o TJSP dá um passo decisivo rumo à Justiça 4.0, promovendo uma transformação que impacta toda a comunidade jurídica.
Sobre o autor
José Guilherme Gerin, Gerente de Operações da Finch, advogado, Mestre em Direito na área de Sistema Constitucional de Garantia de Direitos no Centro Universitário de Bauru – ITE, pós-graduado em Direito Processual Civil, Direito Civil e Direito do Trabalho e Presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação da OAB - Bauru/SP.